Acredito que todos que visitam este blog já tenham ouvido falar no famigerado aquecimento global.
Para que não permaneçamos
no senso comum, devemos compreender que tanto o aquecimento global quanto o
efeito estufa são processos naturais sem os quais a vida na Terra simplesmente
não existiria. Nosso planeta encontra-se naquilo que os astrônomos e
astrofísicos chamam de "zona habitável" de um sistema planetário,
onde a incidência de radiação proveniente da estrela principal (no nosso caso,
do Sol) permite a existência de água em estado líquido, fundamental para o
desenvolvimento da vida como a conhecemos. Ademais, a estrutura do nosso planeta, dotada de uma inclinação axial
média de 23,1º e de uma atmosfera recheada por gases de efeito estufa
(perfluorcarbonetos, óxido nitroso, ozônio, vapor de água, metano, dióxido de
carbono, dentre outros), possibilita que boa parte da energia proveniente do Sol
permaneça retida em nosso planeta, permitindo que todos os seres vivos possam extrair dessa energia subsídios fundamentais para a atividade vital (vide a
fotossíntese, por exemplo). O aquecimento global é tão natural que até nosso vizinho Vênus é classificado como o
planeta mais quente do Sistema Solar justamente por possuir uma atmosfera densa
e uma quantidade muito grande de gases de efeito estufa (provenientes sobretudo
das inúmeras erupções vulcânicas), o que o faz apresentar temperaturas médias de
450 ºC.
Então, para quê se
preocupar? Se o aquecimento global e o efeito estufa são naturais, então nós
não temos nada a ver com isso, correto? Errado.
Senta que lá vem
história!
O fenômeno do aquecimento
global já ocorreu em outros períodos da história da Terra, e por isso muitos
cientistas demoraram a aceitar que o atual aumento de temperatura pudesse ser
causado unicamente pelas atividades humanas. Apesar de o aumento na concentração
de dióxido de carbono (maior responsável pelo efeito estufa) ser constante, desde o início da industrialização no
século XIX, alguns defendem a tese de que a relação entre esse aumento e a
elevação da temperatura pode não ser tão direta. Lopes (2006) explica que um
estudo publicado na Revista Science
no ano de 2000 aponta que os fatores naturais, como erupções vulcânicas ou
variações na intensidade da radiação solar que chega à Terra, seriam
responsáveis por cerca de 25% da variação total de temperatura no século XX.
Indo na contramão deste entendimento, o químico norte-americano
Charles David Keeling (1928-2005) foi um dos poucos estudiosos que dedicou sua
vida profissional à medição dos níveis de gás carbônico no ambiente. Seus
estudos tiveram início em 1954, quando desejou saber se a pressão de um gás
como o CO2 era a mesma no ar e na
água. Na busca da resposta, ele aperfeiçoou o aparelho usado para
fazer esse tipo de medida e analisou amostras de ar e de oceanos em diferentes
regiões da Terra, e em diferentes períodos do dia, durante alguns anos.
Keeling
observou que em qualquer lugar onde as medições eram feitas a concentração de CO2 era aproximadamente a mesma, em torno de 315 partes por
milhão (ppm). Esse era um valor médio, pois ao longo do dia o valor exato
apresentava variações, atingindo um valor máximo durante a madrugada e mínimo
pouco depois do meio-dia. O padrão de variações também era o mesmo para todas
as regiões que ele analisou.
As variações no teor de
dióxido de carbono atmosférico ao longo do dia estão relacionadas com o
metabolismo dos seres clorofilados: eles captam CO2 no processo de fotossíntese e liberam esse gás na
respiração. As algas e as plantas realizam fotossíntese durante o período
iluminado, e a taxa de trocas gasosas é maior do que a que se verifica durante
a respiração, que ocorre constantemente, dia e noite. Assim, a concentração de CO2 no ar diminui nos períodos mais iluminados do dia (quando a
fotossíntese é mais intensa) e aumenta durante a madrugada, quando plantas e
algas estão respirando na maior parte do tempo.
Em 1957, Charles Keeling
ajudou a implantar um sistema de monitoramento da concentração dos gases
atmosféricos em todo o planeta. Bases de pesquisa foram instaladas e as
leituras diárias de concentração de CO2 tiveram início no ano
seguinte. No início, alguns problemas técnicos comprometeram a obtenção de certas medidas, mas a partir de 1964 elas passaram a ser feitas ininterruptamente,
até os dias atuais.
A representação gráfica
desses resultados é conhecida como Curva de Keeling, em homenagem ao trabalho
desse grande cientista. A Curva de Keeling mostra os seguintes dados sobre as condições da atmosfera atual.
Keeling
e outros cientistas investigaram os fatores que explicariam o caráter
ascendente desta Curva. Entre os fatores estão: o desmatamento, a emissão de CO2 pela queima de combustíveis fósseis e o fato de que o
oceano não é capaz de absorver todo o CO2 lançado
na atmosfera, como se pensava há algumas décadas. Ou seja, a maior
responsabilidade pelo aquecimento global parece ser mesmo dos seres humanos e
do seu estilo de vida atual.
Conforme
já citado neste blog, em 2018 os níveis de CO2 atingiram,
pelo quarto ano seguido, as maiores médias da história da humanidade. Em 2019, as emissões deste gás ficaram abaixo do esperado (crescendo apenas 0,6%)
mas, mesmo assim, o número bruto é alarmante: até o final do ano, 37 bilhões de
toneladas de dióxido de carbono provenientes de atividades antrópicas serão lançados
na atmosfera.
"Certo,
Lucas. Muito interessante. Mas onde cazzo
entra a TI nisso?"
Calma,
jovem. Explicá-lo(a)-ei.
Apresento-lhes a matriz elétrica mundial fornecida em 2016 pela International Energy Agency (IEA)!
A
matriz elétrica mundial é formada pelo conjunto de fontes disponíveis para a
geração de energia elétrica em todo o globo. Como vocês sabem, precisamos de
energia elétrica para assistir televisão, ouvir rádio, acender a luz, ligar
nossa geladeira, carregar nosso celular, conectar o dispositivo de Wi-Fi, utilizar
nossos computadores, imprimir documentos, etc.
Diferentemente
da matriz brasileira, cuja primazia da energia hidráulica representa o uso de
uma fonte mais ou menos renovável e limpa, a matriz elétrica mundial é composta
principalmente por combustíveis fósseis – como carvão, óleo e gás natural – processados em termelétricas. E, como vocês acabaram de ler nesta postagem, a queima de combustíveis fósseis é uma das principais causas da emissão desordenada de dióxido de carbono na atmosfera do nosso planeta.
"Lucas, ainda tou esperando a parte da TI nisso tudo. Para de enrolar, velho".
Tá bom, impaciente.
Em
2018, o consumo de energia procedente das Tecnologias de Informação representou cerca 3,7% (equivalente a 830 milhões de toneladas) das emissões globais dos gases de efeito
estufa. Não bastasse esse número - que não é pequeno -, o ritmo do gasto segue
crescendo a passos largos. A cada ano, 9% a mais de energia vinculada às
Tecnologias de Informação é despendida. Apenas a título de comparação, a indústria aeronáutica emite anualmente, em média, cerca de 2% desses mesmos gases, 1,7% a menos do que os serviços de TI!
A
informação é resultante dos dados recorrentemente publicados no site do The Shift Project, uma
organização francesa sem fins lucrativos criada em 2010 que objetiva auxiliar a reduzir as
mudanças climáticas e a nossa dependência dos combustíveis fósseis.
Para a entidade, a digitalização cada vez mais crescente das informações tem um papel
decisivo no aumento da pegada de carbono oriunda da energia gasta nas Tecnologias de
Informação. O grupo ainda alerta para o fato de que a miniaturização dos
componentes de informática levam as pessoas a não perceberem o impacto que
essas peças podem ter sobre o meio ambiente quando descartadas de forma incorreta.
Confiram o gráfico abaixo. Ele não é do The Shift Project mas da tese de doutorado de Hayri Acar, datada de 2017.
O
gráfico mostra que a demanda no consumo elétrico usado para
alimentar a infraestrutura de TI, tem crescido a tal ponto que o prognóstico para
2020 é de atingir cerca de 60% a mais do que era consumido em 2007. Ou seja: mais consumo de eletricidade, mais
consumo de energia, mais emissões de gases de efeito estufa (principalmente CO2), maior
o aquecimento global. Para se ter ideia, um computador (apenas um computador) funcionando somente uma hora por dia utiliza 5 kWh por mês, contribuindo, ao final de um ano, com a emissão de 18 kg de dióxido de carbono (BRAYNER; RAMOS; BRAYNER, 2013).
Voltando ao The Shift Project, das pesquisas desenvolvidas pela organização quatro considerações finais foram definidas.
1) A intensidade energética da indústria de TI está crescendo cerca de 4% ao ano em todo o mundo, ao passo que a tendência global é de declínio de 1,8% por ano;
2) A tendência de consumo excessivo de TI não é sustentável por conta da energia e das matérias-primas necessárias para a produção e operação desses equipamentos;
3) Ao comparar a atual situação dos diversos povos, percebe-se que o consumo de TI é desigual. Exemplificando: o estadunidense médio, em 2018, possuía em torno de 10 dispositivos conectados e consumia, mensalmente, 140 gigabytes de dados; já o indiano dispunha de apenas 1 dispositivo conectado e empregava 2 gigabytes de dados mensais. O que isso evidencia? Que o desequilíbrio na distribuição de riquezas entre as nações aponta para os países mais desenvolvidos como responsáveis no consumo cada vez mais crescente e desordenado de energia elétrica.
4) Apesar desse quadro, o impacto ambiental causado pelas Tecnologias de Informação pode ser contornado se o consumo for moderado. Se alterarmos nossa relação com a TI, do ímpeto consumista à utilização comedida, será possível limitar o aumento do consumo de energia elétrica em, no mínimo, 1,5% por ano.
Pequenas atitudes fazem toda diferença. Por exemplo:
- Buscar fornecedores de TI que sejam sustentáveis;
- Modernizar a infraestrutura dos datacenters visando economia de energia;
- Desligar os computadores após o término do expediente ou da aula;
- Utilizar servidores em nuvem;
- Avaliar o layout físico do datacenter para melhor circulação do ar;
- Automatizar o sistema de resfriamento do datacenter;
- Utilizar energias renováveis;
- Evitar compras desnecessárias em TI;
- Consolidar ou virtualizar os servidores;
- Verificar se o ar-condicionado está devidamente regulado ao datacenter;
- Diminuir o brilho dos monitores;
- Consolidar os desktops;
- Preferir monitores LCD em invés de CRT;
- Programar monitores para desligarem após o ciclo de atividades;
- Utilizar thin clients;
- Gerenciar o consumo de energia em TI através de sofwares;
- Utilizar equipamentos que possuam "selos verdes", tipo o Energy Star ou a PROCEL;
- Substituir desktops por laptops;
- Consolidar as impressoras;
- Preferir utilizar "sites verdes", com cores mais leves, que diminuem o consumo de Watts;
- etc, etc, etc.
Há uma
infinidade de ações que podem ser tomadas. Basta você querer e lembrar que, do
ponto de vista climático, não deve ser interessante viver em uma Terra,
digamos, "venusiana". Concorda? :)
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REFERÊNCIAS
H. Software development
methodology in a Green IT environment. Lyon, f. 120, 2017. Tese (Spécialité de doctorat: Informatique) – UNIVERSITÉ DE LYON, 2017.
F.L.A.; RAMOS; P.G.S.; BRAYNER, P.V.A. TI Verde:
sustentabilidade na área da tecnologia da informação (Org.)
(Org.). Saúde e meio ambiente: interagindo à serviço da vida. João Pessoa: Gráfica Impressos, 2013. 621 p.
cap. 6,
p. 64-71.
LOPES, S. Bio. 1. Ed. 3. Vol. São Paulo: Saraiva, 2006. 464p.
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